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sábado, 29 de maio de 2010

CARTA-RESPOSTA DE UMA PROFESSORA E DOUTORA PORTUGUESA PARA MAITÉ PROENÇA


Antes de lerem a carta da Dra. Mafalda Carvalho, Professora Doutora da Universidade de Coimbra, endereçada à Maitê Proença, algumas observações sobre as razões da missivista:

1) Maitê Proença disse no programa "Saia Justa" umas gracinhas sobre a inteligência dos portugueses. Fez comentários descabidos sobre a História de Portugal, sobre tradições portuguesas que ela desconhece, sobre o estuário do Rio Tejo, reduziu Sintra a uma vilazinha, criticou e ridicularizou o atendimento a seu PC pelo pessoal do hotel onde estava hospedada... e por aí afora.

2) O programa passa em Portugal e causou um grande mal estar lá na "terrinha". Quando foi execrada pelos portugueses, no seu pedido de desculpas ainda disse que o povo Português não tem senso de humor. Que foi "apenas" uma brincadeirinha.
3) É o que dá quando a pessoa fala sem conhecimento de causa. Esta professora portuguesa além de escrever muito bem,
acabou com a Maitê Proença e de quebra, com os nossos representanres em Brasília, protagonistas de um vasto anedotário.

4) Leia até o fim, pois a postura da Professora é excelente e nós..... temos que ficar caladinhos....
5) É isso que dá, alguém despreparado emitir conceitos sobre assuntos que não domina, com apoio dos alienados das redes de TV Brasileira, que se consideram o máximo em cultura ..

6) E temos que engolir calados e com humildade o desabafo dessa senhora portuguesa, generalizando e nivelando todos os brasileiros. Mesmo porque ela não diz nenhuma inverdade.

7) A que ponto chegamos! Não temos mais nem o direito de nos indignar. Pobre Brasil! É o declínio moral de uma Nação.

CARTA-RESPOSTA DE UMA PROFESSORA E DOUTORA PORTUGUESA PARA MAITÉ PROENÇA

Exma. Senhora:
Foi com indignação que vi a ‘peça cómica’ que fez em Portugal e passou no programa Saia Justa em que participa. Não que me espante que o tenha feito – está à altura da imagem que há muito tenho de si, pelo que me tem sido dado ver pelos seus desempenhos – mas sim pelo facto da TV Globo ter permitido que tal ignorância fosse para o ar.

Só para que possa, se conseguir, ficar um pouco mais esclarecida: A ‘vilazinha’ de Sintra é património da Humanidade, classificada pela UNESCO e unanimemente reconhecida como uma das mais belas e bem preservadas cidades históricas do mundo;

Em Portugal, onde existem pessoas que olham para o mouse do seu computador como se de uma capivara se tratasse, foi onde foi inventado o serviço pré-pago de telefones móveis (os celulares) – não existia nenhum no mundo que sequer se aproximasse e foi também o que inventou o sistema de passagem nas portagens (pedagios, se preferir), sem ter que parar – quando passar por alguma, sem ter que ficar na fila, lembre-se que deve isso aos portugueses.

É um dos países do Mundo com maior taxa de penetração de computadores e serviços de internet em ambiente doméstico. É o único país do mundo onde TODAS as crianças que frequentam a escola têm acesso directo a um computador (no próprio estabelecimento de ensino) – e em Portugal TODAS as crianças vão à escola... Muitas delas até têm um computador próprio, para seu uso exclusivo, oferecido ou parcialmente financiado pelo Ministério da Educação – já ouviu falar do Magalhães? É natural que não... mas saiba que é uma criação nossa, que está a ser adquirida por outros países. Recomendo-o vivamente – é muito simples e adequado para quem tem poucos conhecimentos de informática.

Somos tão inovadores em matéria de utilização de tecnologia informática e web nas escolas, que o nosso caso foi recomendado por especialistas americanos, como exemplo a seguir, a Barack Obama, que é só o Presidente dos Estados Unidos –ao Sr. Lula da Silva tal não seria oportuno, porque ele considera que a Escola não é determinante no sucesso das pessoas (e, no Brasil, a julgar pelo próprio, tem toda a razão).

A internet à velocidade de 1 Mega, em Portugal há muito que é considerada obsoleta – eu percebo que não entenda porquê, porque no Brasil é hoje anunciada como o grande factor diferenciador a transmissão por cabo que já não nos interessa. Já estamos noutra – estamos entre os países do mundo com a rede de fibra óptica mais desenvolvida.E nesse contexto 1 Mega é mesmo uma brincadeira.

O ditador a que se refere – o Salazar – governou, infelizmente, ‘mais de 20 anos’, mas para a próxima, para ser mais precisa, diga que foram 48 (INFELIZMENTE, é mais do dobro de 20). Ainda assim, e apesar do muito dano que nos causou a sua governação, nós, portugueses, conseguimos em 35 anos reduzir praticamente a ZERO a taxa de analfabetos e baixar para cifras irrisórias o nível de mortalidade infantil e de mulheres no parto onde estamos entre os melhores do mundo.

Criar uma rede viária que é das mais avançadas do mundo – em Portugal, sem exceder os limites de velocidade e sem correr risco de vida, fazemos 300 km em duas horas e meia (daria tanto jeito que no Brasil também fosse assim!).

Melhorar muito o nível de vida das pessoas, promovendo salários e condições de trabalho condignos. Temos ainda muito para fazer nesta matéria, mas já não temos pessoas fechadas em elevadores, cuja função é apenas carregar no botão do andar pretendido – cada um de nós sabe como fazê-lo e aproveitamos as pessoas para trabalhos mais estimulantes e úteis; também já não temos trabalhadores agrícolas em regime de escravatura – cada pessoa aqui tem um salário, não trabalha a troco de um prato de comida.

Colocar-nos na vanguarda mundial das energias renováveis, menos poluentes, mais preservadoras do planeta; enquanto uns continuam a escavar petróleo, nós estamos a instalar o maior parque de energia eólica do mundo (é a energia produzida a partir do vento).

Poderia também explicar-lhe quem foi Camões, Fernando Pessoa, etc., cujos túmulos viu no Mosteiro dos Jerónimos, mas eles merecem muito mais.

Ah!, já agora, deixe-me dizer-lhe também que num ponto estou muito de acordo consigo: temos muito pouco sentido de humor. É verdade. Não acharíamos graça nenhuma se tivéssemos deputados a receber mesada para votarem num certo sentido, não nos divertiria muito se encontrassem dirigentes políticos com dinheiro na cueca, não nos faria rir ter senadores a construir palácios megalómanos à conta de sobre-facturação do Estado, não encontramos piada quando os políticos favorecem familiares e usam o seu poder em benefício próprio. Ficaríamos, pelo contrário, tão furiosos, que os colocaríamos na cadeia. Veja só – quanta falta de humor. Mas, pelo contrário, fazem-me rir as sessões plenárias do senado brasileiro. Aqui em Portugal , e estou certa que em toda a Europa, tal daria um excelente programa de humor.

Que estranho, não é?

Para terminar só uma sugestão: deixe o humor para quem no Brasil o sabe fazer com competência (e há humoristas muito bons no Brasil). Como alternativa, não sei o que lhe sugerir, porque ainda não a vi fazer nada que verdadeiramente me indicasse talento...

Peço desculpa por não poder contribuir.

Mafalda Carvalho - Professora Doutora da Universidade de Coimbra

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quarta-feira, 5 de maio de 2010

O VENTO ARACATI VIRA DOCUMENTÁRIO



Um verdadeiro patrimônio imaterial do Ceará. Assim podemos mensurar, em parte, o 'vento Aracati' ou 'vento do Aracati', famoso ar que atravessa o Estado e que torna as conversas à beira da calçada mais prazerosa, em volta de amigos.

E a cidade de Icó faz parte do percurso deste vento, como um dos locais mais nobres por onde atravessa o 'Aracati. Esse fato, que atravessa gerações e estórias, está virando o documentário "Aracaty", da diretora Julia De Simone e com roteiro de Aline Portugal.

Esse trabalho documental teve início no fim de 2009, com uma pesquisa e a presença da jornalista Júlia Motta, do jornal O Globo, que acompanhou parte do projeto. Essa história está contada nos jornais cariocas 'O Globo' e 'Extra'.

MATÉRIA - A matéria foi publicada no domingo (31) nestes jornais. Antes da viagem da jornalista com as produtoras do documentário, houve o encontro com o físico Henrique Camelo, que publicou uma dissertação de mestrado sobre o assunto.

O físico explicou que o percurso do vento está diretamente ligado ao Rio Jaguaribe, funcionando como canalizador do 'Aracati'.

Aqui cabe uma citação dos versos de 'Iracema', de José de Alencar, publicados também na matéria: "O doce Aracati chega do mar, e derrama a deliciosa frescura pelo árido sertão. A planta respira; um doce arrepio eriça a verde coma da floresta."

Em passagem pelo Ceará a jornalista ainda cita, em Jaguaribe, quando da chegada do vento mais famoso do Estado: "- O Aracati chegou! - exclamam todos, quase em coro."

Para finalizar, vale a citação da passagem da jornalista pelo Icó:

"Seguimos depois rumo a Icó, a última cidade por onde passa o Aracati. O município, que surgiu no final do século XVII, tem vários casarões tombados e muitas histórias. Mas o tempo era curto, e não dava para perder o Aracati de vista. Naquela altura da viagem, já tínhamos percebido que era nos vilarejos menos populosos que surgiam as melhores histórias, especialmente se contadas por seus moradores mais antigos.

Chegamos então ao sítio Poço da Pedra. Serafim de Oliveira Rodrigues, de 66 anos, foi a primeira pessoa que encontramos. Ele trabalha no abastecimento de água local, e paramos para lhe perguntar sobre o vento. Jeito simples, conversador, ele conta que no lugar vivem cerca de 40 famílias, e que as coisas estão mudando muito por ali:
- Desde 2003, as chuvas mudaram. Isso tem a ver com o degelo que está ocorrendo no mundo.
Em Poço da Pedra, o Aracati passa na hora da novela das oito. É nesse momento do dia que a pequena Suely, de 8 anos, faz uma fogueira com a ajuda do tio, na frente de casa, e aproveita para secar as panelinhas de barro que gosta de fazer.
A menina mora com a avó, dona Geralda, de 66, que nos convidou para dormir em sua casa. Durante a noite, enquanto esperávamos o Aracati passar, sentamos em tapetes em volta da fogueira e escutamos muitas histórias.
- Teve um dia em que o Aracati passou tão forte que perdemos a telha da casa - conta dona Geralda, mãe de oito filhos e avó de 14 netos.
Seu Serafim, que tirou o dia para nos acompanhar, relembra o momento em que ele e a família quase se afogaram no rio por causa do vento:
- Era noite e estávamos em cinco barcos. Quando o Aracati passou, mexeu com tudo e caímos na água. Nadamos até a margem e chamamos um por um pelo nome para saber se todos estavam sãos e salvos.
Nesse dia, ninguém precisou nos dizer nada: sentimos na hora o Aracati chegar. Ele veio e logo ajudou a espalhar a brasa e a apagar a fogueira. Era a hora de nos recolher. Naquela noite, dormimos em redes na casa de dona Geralda, embaladas durante várias horas pelo sopro do Aracati."

FONTE:http://www.icoenoticia.com/search/label/hist%C3%B3ria%20de%20Ic%C3%B3

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Veja Matéria Completa:
http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2010/01/31/populacao-de-cidades-cearenses-espera-por-passagem-de-vento-especial-aracati-915748846.asp
NOVA FLORESTA - CE
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VALE DO JAGUARIBE (CE) - Ele nasce no mar e percorre 300 quilômetros pelo sertão cearense, todos os dias, em horários e intensidades que mudam conforme a cidade e a estação do ano. Nas ruas simples do Vale do Jaguaribe, a população aguarda religiosamente a sua passagem. O sopro diário do Aracati, que chega para refrescar e alimentar de esperança a vida das pessoas que vivem ali, no meio do sertão, é cercado de lendas e histórias. Foi atrás delas que eu e duas amigas - a diretora Julia De Simone e a roteirista Aline Portugal - viajamos, no fim do ano passado, para fazer a pesquisa que deu início ao documentário "Aracaty".
Chegamos a Fortaleza no dia 26 de dezembro e, antes de começar a viagem em direção às pequenas cidades do vale, encontramos o físico Henrique Camelo, que escreveu uma dissertação de mestrado sobre o assunto. Foi ele quem nos explicou que o percurso do vento está diretamente ligado ao Rio Jaguaribe:
- O rio funciona como canalizador do vento. Conduz o Aracati.
Dois dias depois, partimos em direção à cidade de Jaguaribe para sentir na pele o Aracati. Alugamos um carro e seguimos pela BR-116. A chegada à cidade foi um tanto desanimadora. Com um comércio relativamente grande e cerca de 36 mil habitantes, a imagem de pessoas sentadas em cadeiras de balanço nas calçadas à espera do vento mítico parecia não caber ali. Uma pausa para o almoço e uma bebida gelada para aliviar o calor do sertão refrescaram as ideias. Logo seguimos para a prefeitura em busca de alguém que pudesse nos guiar pela cidade. Foi lá que conhecemos Vânia Oliveira, que fez as vezes de nossa produtora. Pernambucana de 41 anos, ela um dia jogou sua aliança de noivado no telhado e foi embora para o Ceará. Anos depois, já casada, seu filho ficou um mês sem nome, até que um jornal caiu no seu colo e uma reportagem sobre Glauber Rocha lhe chamou a atenção. Pronto. Surgia mais um Glauber. Hoje, ela conhece todos em Jaguaribe e descreve assim a passagem do Aracati:
- Ele chega, levanta poeira, bagunça a casa, mexe o cabelo, faz voar o vestido.

As palavras de Vânia logo nos remeteram aos versos de José de Alencar em "Iracema": "O doce Aracati chega do mar, e derrama a deliciosa frescura pelo árido sertão. A planta respira; um doce arrepio eriça a verde coma da floresta." A curiosidade só aumentava.
- A gente consegue reconhecê-lo? - indagamos as três, quase que simultaneamente.
- O Aracati é diferente. Vocês vão sentir quando ele chegar - diz Vânia.

Em Jaguaribe, o Aracati chega no início da noite. Como era o começo da tarde, ainda tínhamos tempo. De cara, Vânia nos levou ao restaurante Chico do Peixe, onde conhecemos dois típicos moradores da região, seu Abílio e seu Atílio, irmãos que todos os dias mantêm a tradição de esperar o Aracati passar. Dali, partimos para a casa deles, uma construção simples de tijolos, em meio à paisagem árida do sertão, que ganhou uma varanda, construída pelos próprios, só para esperar pelo Aracati.

Na sala, uma cena que poderia inspirar Van Gogh: apenas uma cadeira e, na parede, quatro quadros com imagens religiosas. Na outra extremidade, nada de televisão. Um rádio antigo é o que traz outras vozes ao espaço.
- O senhor tem quantos anos? - pergunto a seu Abílio, o mais falante dos dois.
- Nasci em 1935. Não sei fazer as contas - responde ele.

A tarde caiu. Além dos dois irmãos, um sobrinho, um vizinho e duas crianças se juntaram a nós. Seu Abílio deixou a timidez de lado e começou a contar causos. Todos escutavam histórias que iam de alma penada à piada do homem que fazia tudo errado e nem se matar conseguia. Uma brisa leve passa então pela varanda.
- É o Aracati? - as três perguntam, animadas.
- Ainda não. O Aracati faz um barulho quando chega e refresca mesmo. Vocês vão ver - responde seu Abílio.

A prosa continua e, de repente, o cabelo começa a voar, com a chegada de um friozinho gostoso que logo acalma o calor do sertão.
- O Aracati chegou! - exclamam todos, quase em coro.

Nas ruas, adultos e crianças, homens e mulheres, jovens e velhos, também comemoram a chegada do Aracati. A rua é o melhor ponto de encontro. Depois disso, Vânia nos leva até dona Dagmar, a poetisa da cidade.
- O Aracati é a nossa salvação. Ele passa mais forte entre agosto e janeiro. Se o vento atrasar, atrasa o inverno também - explica Dagmar. -

O Rio Jaguaribe corre pro Aracati. No meio do percurso, banha os sonhos meus.
Ficamos dois dias em Jaguaribe e seguimos para os distritos de Feiticeiro, Mapuá e Nova Floresta. Quando chegamos a este último local, conhecemos o historiador Paulo Silva. Além de contar histórias sobre o Aracati, ele fez questão de caminhar pelas ruas conosco e nos levou até a casa onde Luís Carlos Prestes ficou hospedado quando a Coluna Prestes passou por lá.
- Quatro mil homens dormiram pelas ruas - conta Paulo, que, além de saber muitas histórias, também não perde a passagem do vento.

Seguimos depois rumo a Icó, a última cidade por onde passa o Aracati. O município, que surgiu no final do século XVII, tem vários casarões tombados e muitas histórias. Mas o tempo era curto, e não dava para perder o Aracati de vista. Naquela altura da viagem, já tínhamos percebido que era nos vilarejos menos populosos que surgiam as melhores histórias, especialmente se contadas por seus moradores mais antigos. Chegamos então ao sítio Poço da Pedra. Serafim de Oliveira Rodrigues, de 66 anos, foi a primeira pessoa que encontramos. Ele trabalha no abastecimento de água local, e paramos para lhe perguntar sobre o vento. Jeito simples, conversador, ele conta que no lugar vivem cerca de 40 famílias, e que as coisas estão mudando muito por ali:
- Desde 2003, as chuvas mudaram. Isso tem a ver com o degelo que está ocorrendo no mundo.

Em Poço da Pedra, o Aracati passa na hora da novela das oito. É nesse momento do dia que a pequena Suely, de 8 anos, faz uma fogueira com a ajuda do tio, na frente de casa, e aproveita para secar as panelinhas de barro que gosta de fazer. A menina mora com a avó, dona Geralda, de 66, que nos convidou para dormir em sua casa. Durante a noite, enquanto esperávamos o Aracati passar, sentamos em tapetes em volta da fogueira e escutamos muitas histórias.
- Teve um dia em que o Aracati passou tão forte que perdemos a telha da casa - conta dona Geralda, mãe de oito filhos e avó de 14 netos.

Seu Serafim, que tirou o dia para nos acompanhar, relembra o momento em que ele e a família quase se afogaram no rio por causa do vento:
- Era noite e estávamos em cinco barcos. Quando o Aracati passou, mexeu com tudo e caímos na água. Nadamos até a margem e chamamos um por um pelo nome para saber se todos estavam sãos e salvos.

Nesse dia, ninguém precisou nos dizer nada: sentimos na hora o Aracati chegar. Ele veio e logo ajudou a espalhar a brasa e a apagar a fogueira. Era a hora de nos recolher. Naquela noite, dormimos em redes na casa de dona Geralda, embaladas durante várias horas pelo sopro do Aracati.

Nos dias seguintes, passamos pelos vilarejos de Tabuleiro, Limoeiro do Norte, Russas e Jaguaruana. Neste último, o radialista Augusto nos levou até outra lenda viva da região, Zé da Marieta, o profeta da chuva local. Aos 62 anos, é ele quem faz a previsão de como será o inverno no sertão: bom (com muita chuva) ou seco. Ele nos conta que sua análise é feita a partir de observações tanto do movimento dos planetas quanto do canto de um pássaro durante a lua cheia. E o comportamento do Aracati, claro, jamais fica fora de suas previsões.
- Só sei escrever meu nome, mas desde os 14 anos começaram a me ensinar a saber quando a chuva chega - conta o profeta, casado com dona Maria, com quem tem 11 filhos e 16 netos.

Cabelos brancos como algodão presos em coque, rosto marcado pelo tempo e voz mansa, outra habitante de Jaguaruana, dona Nazaré, de 94 anos, gosta de sentir o vento batendo no rosto:
- Sua brisa acalma a gente.

A viagem termina em Aracati, cidade batizada com o nome do vento porque é justamente ali que começa a sua trajetória pelo sertão. O lugar, não por acaso, é conhecido pela produção de energia eólica. Os cataventos nos serviram de inspiração, assim como as cadeiras de balanço, as roupas secando no varal, os rostos do povo simples que mora ali. Afinal, durante toda a viagem, o principal desafio era traduzir o Aracati em imagens. Todos os dias, antes de dormir, assistíamos ao material gravado e discutíamos os próximos passos.

Antes de partir para o Ceará, passamos um ano trabalhando na busca de informações sobre o Aracati, que em tupiguarani significa bons ventos. O objetivo da ida ao Ceará também era coletar imagens para serem exibidas na feira Real Screen Summit, em Washington, especializada em documentários e programas de TV, que começa amanhã (31/01/2010). No início de dezembro (2009), o projeto foi apresentado no Pic Doc (Programa Internacional de Capacitação para Documentários), ganhou elogios do francês Emmanuel Priou, produtor de "A marcha dos pinguins", e ficou entre os dez melhores, o que lhe garantiu a participação na feira americana. Os dez dias de viagem enriqueceram a pesquisa sobre esse vento que povoou o nosso imaginário por tanto tempo. O próximo passo é transformar tanta espera em encontro. Em "Aracaty".

Fonte: http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2010/01/31/populacao-de-cidades-cearenses-espera-por-passagem-de-vento-especial-aracati-915748846.asp. Acesso em 1 de fevereiro de 2010.